VIAJARAM PELO ESPAÇO PARA SUBSTITUIR OS HUMANOS
Por Rynaldo Papoy
Um dos melhores filmes de ficção científica dos anos 70 foi “Invasores de Corpos”, com Donald Sutherland, Brooke Adams, Leonard Nimoy e a nossa cultuada Verônica Cartwright. Dirigido pelo versátil Philip Kaufman. [Veja o trailer aqui: http://www.imdb.com/title/tt0077745/trailers-screenplay-E20452-10-2 ] .
“Invasores de Corpos” teve uma versão precedente, em 1956, dirigida por Don Siegel, que chegou ao Brasil com o nome de “Vampiros de Almas”. [Trailer: http://www.imdb.com/title/tt0049366/trailers-screenplay-E14099-10-2 ].
Uma nova seqüência competente, em 1993, nas mãos do também versátil Abel Ferrara.[ http://videodetective.com/default.asp?frame=http://videodetective.com/home.asp?PublishedID=528814].
E agora vem aí uma quarta produção, dirigida por Oliver Hirschbiegel, o mesmo de “A Queda! – As Últimas Horas de Hitler”, com Nicole Kidman, no papel principal.
Todos estes filmes são baseados num folhetim de Jack Finney, originalmente publicado na revista americana Collier’s, em 1954, com o nome de “Sleep No More”. [Fonte: http://www.bocadoinferno.com/romepeige/artigos/vampiros.html].
Encontrei este livro num sebo em Pinheiros. Em 1987, a Nova Cultural lançou uma edição de bolso deste romance, cujos exemplares usados podem ser facilmente encontrados.
A história todo mundo conhece: vegetais alienígenas atravessam o espaço durante milhares de anos em busca de um planeta onde possam se reproduzir, substituindo seres vivos. Encontram a Terra. Os organismos originais padecem, enquanto, de dentro de vagens gigantes, irrompem clones desprovidos de emoção.
Invasão alienígena é marca registrada dos norte-americanos. Embora o pioneiro tenha sido um inglês, H. G. Wells, com sua “Guerra dos Mundos”. Leia o livro em inglês aqui: http://virtualbooks.terra.com.br/livros_online/wells/wells01.htm .
Como todos sabem, no dia das bruxas de 1938, o ator e diretor Orson Wells leu trechos do livro na rádio CBS, gerando um terrível pânico no público americano. Houve até suicídios. Ouça aqui: http://sounds.mercurytheatre.info/mercury/381030.mp3 .
O site “Cetismo Aberto” conta que:“ O pânico dramatizado compreensivelmente se tornou real, contrariando o inútil e fictício pedido do governo americano. As pessoas que ouviram trechos do programa começaram a fugir desesperadas para lugar nenhum, lotando as estradas; ou tentavam se esconder em celeiros. As mais corajosas carregaram suas armas e saíram à procura dos monstros marcianos, mesmo que acabassem atirando em caixas d'água, razoavelmente parecidas com as máquinas de guerra alienígenas. Houve relatos de pessoas dizendo poder ver as nuvens de fumaça dos campos de batalha, mesmo que os campos de batalha estivessem em uma pacata noite de Halloween. Algumas pessoas até enrolaram toalhas molhadas em volta da cabeça na esperança de se proteger do gás venenoso marciano, ignorando os avisos de que nem máscaras de gás funcionavam. Talvez porque tenham dito que o gás era uma fumaça negra, alguns tenham imaginado que poderiam agir como em um incêndio.” [ http://www.ceticismoaberto.com/ceticismo/warworlds.htm ]
Nove anos depois, uma nave espacial cairia em Roswell, lenda que perdura até hoje.[ http://www.ceticismoaberto.com/ufologia/mitosroswell.htm e http://www.ceticismoaberto.com/ufologia/roswell_mito.htm ].
Muitas pessoas vêem na obsessão dos americanos com invasões alienígenas simbologias diversas que não nos interessa no momento, já que esse assunto já foi vastamente debatido. [Mas se quiser saber um pouco mais, leia este artigo interessante da Revista Istoé: http://www.terra.com.br/istoe/crise_eua/ameaca_hollywood/index.htm ].
O que desperta o nosso interesse pela história das vagens copiadoras de Jack Finney é justamente o caráter insólito e singular da invasão alienígena. Que no entanto não foi a primeira história a mostrar extraterrestres “substituidores de corpos”. Já em 1938 John S. Campbell trazia ao mundo sua “criatura metamórfica” de “Who Góes There?”, que gerou dois filmes: “O Monstro do Ártico”, de Chrystian Nyby [1951] e “O Enigma do Outro Mundo”, de John Carpenter [1982].[Fonte: “Alienígenas na ficção-científica”, de Gérson Lodi-Ribeiro, http://www.ceticismoaberto.com/ufologia/aliensfc.htm ].
Mesmo assim, Finney teve a idéia genial de trazer extraterrestres na forma vegetal, que vagaram milhares de anos pelo espaço em busca de um planeta onde pudessem continuar seu ritual de sobrevivência.Isso é tão diferente assim da realidade? Quem garante que os humanos e outros seres vivos da Terra não sejam apenas um estágio na evolução de algum organismo que caiu aqui, após vagar pelo espaço?
Muitos cientistas acreditam que a vida na Terra possa ter surgido com os cometas. “...em 1903, o químico sueco Svante A. Arrenius (1859-1927) propôs a sua teoria da Panspermia, que sustenta que a vida teria origem extraterrestre, onde esporos microbianos teriam sido trazidos a Terra a bordo de meteoritos e cometas, semeando a vida no planeta...”[ http://pt.wikipedia.org/wiki/Astrobiologia ]
Max Bernstein, da NASA, diz: “E se a água foi trazida para a Terra, então outros compostos também devem ter sido trazidos. Os cientistas ainda estão avaliando e revisando o que é conhecido sobre a formação, modificação e entrega de moléculas do espaço, e as implicações deste trabalho para as origens da vida. Mas nós sabemos agora que as moléculas que foram feitas na experiência da sopa primordial de Miller-Urey literalmente caíram na Terra do céu, assim de graça. A lista de tais compostos lê como um catálogo químico de aminoácidos, bases de purina e pirimidina, cetonas, hidrocarbonetos aromáticos e alifáticos e assim por diante. Basicamente tudo o que você poderia possivelmente querer para tornar um planeta habitável.” [ http://www.ceticismoaberto.com/ciencia/etorigem.htm ]
E conclui-se que: “...embora nem todos os cientistas concordem que a vida surgiu nos oceanos, a maioria admite que moléculas vindas do espaço deram sua contribuição.” [ http://www.gea.org.br/infooutubro99.html ].
Claro que tudo isto é muito diferente da idéia de que uma inteligência extraterrestre, capaz de modificar nosso ambiente, já tenha estado aqui ou poderá estar no futuro. Se bem que o conceito de inteligência é outra polêmica.
Mas é difícil conceber que um ser alienígena viria para a Terra nos parasitar, como as vagens de Finney?
De acordo com Steven Gill, da Universidade do Estado de Nova York, "somos de certa forma como um amálgama, uma mistura de bactérias e células humanas. Algumas estimativas dizem que 90% das células no nosso corpo na verdade são bactérias". [http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI1030432-EI296,00.html] .
Voltando à ficção, um outro fato que desperta interesse no livro de Jack Finney é o estilo inusitado [para os padrões da ficção científica] com que o autor conta sua história.
A tradição edgarallanpoeana dos escritores de ficção científica [verdadeira origem do estilo] teve em H.P. Lovecraft e H.G. Wells seus expoentes máximos na primeira metade do século 20.
Edgar Allan Poe foi, basicamente, um autor de imprensa. Seus leitores o conheciam muito mais por histórias publicadas em jornais do que em livros. Por esse motivo, Poe sempre começava suas narrativas prendendo a atenção do leitor ao avisar que estariam diante de um relato de horror. Este estilo é copiado até hoje, geração após geração.
Ao criar uma história para figurar nas páginas de uma revista, Jack Finney não se atreveria a modificar a técnica, abrindo seu romance com a frase: “Devo avisar que a história que está começando a ler tem muitos pontos indefinidos e perguntas sem respostas.”
Quem deixaria de ler um livro com um início destes?
A banalidade acaba por aí. O restante do livro é marcado pela genial estratégia de narrar os fatos capitais de maneira fria e irônica, o que no entanto, causa um efeito ainda mais apavorante.
Numa cidadezinha da Califórnia, Mill Valley, o jovem médico Miles Boise Bennell começa a estudar uma espécie de epidemia psicológica [ou ilusão coletiva]: alguns moradores da cidade acreditam que seus familiares não são quem sempre foram. Foram substituídos por cópias idênticas mas com diferentes sutilizas que só pessoas muito próximas poderiam perceber.“- Miles, Vilma está pensando que ele não é realmente seu tio”. Relatos semelhantes prosseguem. Dr. Bennell entra em contato com o psiquiatra da região, Dr. Manfred Kaufman, que também tem recebido em seu consultório pacientes com o mesmo problema, chegando à conclusão de que a cidade está vivendo uma simples ilusão coletiva que passaria em breve.
O problema é que Dr. Bennell encontra dois corpos em fase de cópia, ambos idênticos a amigos seus. Não demora a descobrir que a responsabilidade por estas cópias são vagens gigantes que haviam surgido na cidade, algum tempo antes.
Logo tem a certeza que quase toda a cidade já foi substituída pelas cópias e o pior: a população clonada está cultivando a planta alienígena e preparando sua distribuição para outras cidades... outros estados... para o mundo todo.
Que fazer? Aceitar o fato e submeter-se aos caprichos extraterrestres ou resistir até a última força?
O livro é bem diferente dos filmes modernos. Quem assistiu a “Vampiros de Almas” afirma que a produção foi muito mais fiel ao romance, descontando a modificação do desfecho, feita pelo estúdio, que aborreceu a Finney, mas aparentemente é a mesma versão que há no livro. O final do livro é, de fato, uma das duas principais diferenças em relação aos filmes de Philip Kaufman e Abel Ferrara.
A outra grande diferença é o comportamento dos substituídos. Nos filmes modernos, parecem muito mais alienígenas. Não sei de quem foi a idéia de botar os clones gritando infernalmente, com os dedos apontados para os humanos resistentes, que tentam fugir.
No livro, os clones são bem mais humanos mas totalmente desprovidos de moção.
A única semelhança com os filmes, bastante literal, é a fuga do casal central, tentando se esconder num matagal, durante as cenas finais da história.
É claro que muitas pessoas também podem enxergar inúmeras metáforas neste romance. A própria contra-capa do livro da Nova Cultural diz: “Uma surpreendente parábola das nossas sociedades massificadas, escrita para denunciar as ameaças de um mundo de emoções padronizadas e sem individualidade”.
Porém, Jack Finney refuta toda afirmação de que teve segundas intenções ao criar “Invasores de Corpos”.“...a sua intenção foi escrever uma história pura de terror e ficção científica, sem outra pretensão que não o divertimento e a distração, numa trama fantástica bem ao gosto do período. Diz ele, textualmente: ‘Tenho lido explicações do 'significado' dessa história que me divertem pelo fato de que não há significados; foi simplesmente uma história feita para entreter, e com nenhum significado além desse. A primeira versão em filme do livro foi feita com grande fidelidade, exceto pelo final medíocre; e sempre me divertia com as argumentações das pessoas envolvidas com o filme de que eles tinham alguma espécie de mensagem em mente. Se era assim é muito mais do que eu jamais fiz, e, dada a proximidade com que eles seguiram minha historia, é difícil ver como essa mensagem surgiu. E quando a mensagem foi definida, sempre me pareceu um pouco pobre de espírito. A idéia de escrever um livro inteiro a fim de dizer que não é uma boa coisa que todos nós sejamos iguais, e que a individualidade é uma boa, me faz rir’"[Trecho do artigo “Vampiros de Almas”, de E.R. Corrêa, em http://www.bocadoinferno.com/romepeige/artigos/vampiros.html , citando o livro “Dança Macabra”, de Stephen King].
A ficção científica “Time and Again”, publicada em 1970, é considerada a melhor obra de Jack Finney, que morreu em 1995. O tema é viagem no tempo.
A OBRA: “OS INVASORES DE CORPOS”. Jack Finney. Nova Cultural. 1987
O AUTOR: Rynaldo Papoy, 35 anos, paulistano, mora em Osasco. Publicou um livro de poemas [“Suicídio Espiritual”, 1993] e uma peça de teatro [“O Deserto”, 2003]. Tem vários contos, alguns de ficção científica, publicados em fanzines, jornais, sites, do Brasil e exterior.