A
noite estava fria, escura e chuvosa. Perdido na floresta, no meio de mais uma
guerra insana, eu estava ferido e à beira de um colapso emocional. Eu me
perdera do pelotão numa batalha e vagava agora sozinho em meio à mata,
carregando a dor de um projétil que se alojara em meu ombro e questionava
incessantemente o horror real à minha volta, e a barbárie insensata da guerra.
Solitário,
com frio, dor, cansaço, e com a escuridão me engolindo em suas entranhas e
ocultando medos e pavores no desconhecido. Quanto à guerra, eu pensava com
indignação qual o seu propósito, e consegui concluir, envergonhado de minha
própria humanidade, que qualquer diferença entre os povos não deveria ser
negociada com tanta violência e irracionalidade. Matar para não morrer.
Destruir a natureza. Combater a vida trilhando marchas fúnebres e saudando a soberana
morte, vencedora triunfal de todas as batalhas. Ferir, mutilar, proporcionar o
sofrimento e a dor em meus semelhantes, matar e se congratular de minha
superioridade frente ao inimigo. Tudo é insano e sem sentido.
Ali,
na escuridão, ferido, perdido num inferno criado pela minha própria espécie, eu
continuava meus pensamentos e começava agora a delirar ao tentar entender a
guerra. E visões também começavam a surgir à minha volta. Explosões, disparos
de projéteis, gritos de dor, cheiro de sangue coagulado no ar, morte. Cenas de
horror real em estado puro e absoluto. Delírios, visões... Sozinho, no escuro,
dor, frio, o inferno... a guerra...
Foi
quando eu ouvi uma voz gutural, rouca, pavorosa, ecoar em meus ouvidos em meio
às visões e ruídos do caos de meus delírios. Parecia um som sobrenatural, vindo
da podridão do além, do desconhecido, como um lamento grotesco de uma legião de
criaturas agonizantes e desesperadas. As palavras traduziam a dor profunda da
guerra e me incitavam a obter a minha paz eterna. Sons guturais e distorcidos
que gritavam pelo fim da loucura e sofrimento. Delírios, visões, mensagens...
Eu,
esgotado física e psicologicamente, esforcei-me em minhas poucas energias,
peguei minha metralhadora, apontei para a própria cabeça, e sem hesitação
disparei explodindo meu cérebro, cujos pedaços misturaram-se com a mata, agora
vermelha de meu sangue, o sangue de outra vítima.
Para mim, a
guerra finalmente acabava...
E o pesadelo
também, acordando desesperado mergulhado em suor...
Obs.: Conto escrito em 2000 e publicado originalmente nos fanzines
"Astaroth" 26 (2000) e "Desmodus Rotundus" 7.