Canibal Filmes: Os Bastidores da
Gorechanchada
Por André Bozzetto Jr
Se é verdade que o ano de 2020 será para sempre lembrando por uma infinidade de motivos – infelizmente, muito mais ruins do que bons – é igualmente verdadeiro que, em se tratando da cena cultural underground brasileira, ficará marcado pelo lançamento de uma obra que já nasceu clássica. Trata-se do livro Canibal Filmes: Os Bastidores da Gorechanchada, de autoria da grande mente por trás da mais icônica produtora brasileira de filmes independentes de baixo orçamento, o diretor, produtor, roteirista, ator, escritor (e mais algumas funções que devo estar esquecendo de citar) Petter Baiestorf.
Editado de
forma primorosa, em uma luxuosa edição em capa dura, acompanhado de lobby cards
e marcadores de página personalizados, o livro aborda por mais de 500 páginas
em textos e fotos os 30 anos de história do grupo de amigos que, no início dos
anos 90, decidiu fazer filmes de forma amadora, sem nenhum dinheiro no bolso e,
mesmo assim, revolucionou não apenas o pacato cotidiano da pequena cidade de
Palmitos, no oeste de Santa Catarina, como também divertiu e influenciou toda
uma geração de artistas independentes Brasil afora.
É muito legal
de se ver o status de reconhecimento e relevância que a Canibal Filmes
construiu sendo atestado por fiéis colaboradores como E. B. Toniolli, Carli
Bortolanza e Elio Copini – presentes desde os primórdios da produtora – e
também por figuras já tarimbadas na cena nacional, que participaram diretamente
das produções ou se dedicaram a analisá-las e escrever sobre elas, como Cesar
“Coffin” Souza, Gurcius Gewdner, Carlos Primati e Christian Caselli – que,
inclusive, assina o prefácio da obra.
Dezenas de
pessoas que tiveram parte nas três décadas de caminhada da Canibal Filmes
ganham voz nas páginas do livro, em excertos de depoimentos concedidos ao autor,
ou através de recortes de entrevistas de fanzines, livros, documentários e
revistas, compilados de diferentes épocas, mas que, reunidos de forma sistematizada,
fornecem um interessantíssimo panorama dessa incrível trajetória de
dificuldades, perrengues e fracassos, mas também de reconhecimento, aprendizado
e, principalmente, muita diversão.
A obra destina
espaço para tratar das produções originadas no seio da Canibal Filmes e também
– em diferentes graus de detalhamento – daquelas capitaneadas por outros
realizadores que de alguma forma contaram com a participação de Petter
Baiestorf e membros do seu séquito de canibais. Há referências desde aos filmes
de Rodrigo Aragão até citações de projetos totalmente despretensiosos,
verdadeiras brincadeiras filmadas, como Lua
Perversa, idealizado por este que aqui escreve.
Não vou perder
tempo citando os filmes nesta resenha. Basta dizer que não apenas os clássicos,
como O Monstro Legume do Espaço
(1995), Zombio (1999) e Vadias do Sexo Sangrento (2008), mas
também cada um dos demais é esmiuçado no livro, com grande riqueza de detalhes
sobre a concepção dos roteiros, produção, filmagens e resultados, com
deliciosas anedotas de bastidores e curiosidades em geral. Para saber mais
sobre eles, há centenas de críticas e artigos na internet, além de muitos dos
próprios filmes disponíveis para serem assistidos gratuitamente. Também não vou
me ater em pormenorizar o estilo característico que já se tornou marca
registrada das produções da Canibal, com muito sangue e tripas permeando
histórias debochadas, provocativas e, por vezes, chocantes, repletas de
experimentalismos, sexo e um vasto cabedal de insanidades diversas. Prefiro
mencionar um dos elementos que mais me agradou durante a leitura: constatar que
essa não é apenas uma obra sobre filmes, mas também sobre fanzines, bandas de
metal, punk e goregrind, eventos de cultura underground, poesia marginal e
manifestos anárquicos. Ou seja, é um livro sobre um grupo de caras que, por
absoluta falta de opções para expressar suas veias artísticas, criaram por sí
próprios os canais necessários para isso, e tudo em uma época anterior às facilidades
da internet, em um município conservador de apenas 10 mil habitantes e – nunca
é demais lembrar – sem dinheiro algum.
Chega a ser
emocionante a leitura dos relatos de muitos participantes afirmando que sempre
se sentiram como párias e excluídos sociais e que, graças aos amalucados
projetos do Baiestorf, encontraram não apenas um espaço de interação cultural,
mas também de integração social. Nas entrelinhas, o que nós temos é uma
empolgante história sobre amizade e companheirismo.
Quando se chega
ao final da leitura, a primeira lição evidente é a de que não há limites para a
manifestação da Arte quando se acredita nela. O segundo grande legado deixado
por este livro – e só por isso já vale cada centavo investido na aquisição – é
a arrebatadora vontade de produzir que ele desperta em quem lê, sejam filmes,
textos ou qualquer outra coisa que sirva como forma de expressão e, acima de
tudo, diversão. Simplesmente indispensável.
Autor: Petter
Baiestorf
Editora: Sangue
TV
Preço edição
física: R$ 91,00 (com correio incluído para qualquer cidade brasileira)
Preço Versão
e-book: 29,90
544 páginas
Capa dura
Ano: 2020
Primeira Edição.
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