“O Ogro” – animação de Márcio Júnior e Márcia Deretti


(Dica e texto de Márcio Sno)

Márcio Júnior é uma das figuras mais conhecidas da cena underground nacional, por conta de sua atuação frente ao fanzineBizarre Inc., o selo Monstro Discos e a banda Mechanics.

Como se não bastasse estar nesse monte de frentes ele, junto com sua esposa Márcia Deretti, estão para lançar a animação "O Ogro", inspirado na obra de Júlio Shimamoto e Antônio Rodrigues, de 1984. O filme com duração de 7 minutos vai circular no circuito de festivais pelo Brasil afora. Por isso, fique atento pois, segundo Márcio, está bem fiel ao original.

Enquanto isso, recomendo visitar o site oficial do filme, onde tem fotos, storyboards, estudos de personagens e muitas coisas mais! O endereço é: http://www.oogro.com.br

Dica: siga também o filme no twitter (http://twitter.com/filmeoogro), para acompanhar as novidades!

Abaixo, a apresentação do filme.

Estou ansioso para ver, pois vindo de quem vem, a coisa é boa!

Abraços,

Márcio Sno

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msn: marciosno@hotmail.com

O OGRO

Uma floresta sombria, um castelo em ruínas, dois cavaleiros medievais e uma diabólica criatura de tempos imemoriais. Baseado na HQ de Antônio Rodrigues e Julio Shimamoto, legenda dos quadrinhos brasileiros.

Se há um gênero que pode ser associado às histórias em quadrinhos brasileiras, este gênero, com certeza, é o terror. Tal vocação não surgiu por acaso. A onda conservadora que varreu os Estados Unidos na década de 1950, arrastada pelo senador Joseph McCarthy na esteira da guerra fria, respingou nos assustadores quadrinhos que eram então publicados por ali – e republicados no resto do mundo. Absurdamente responsabilizadas pela delinquência juvenil norte-americana, as HQs de terror foram literalmente queimadas em praça pública e o gênero virou fumaça como um vampiro diante da cruz.

Ruim para eles, bom para nós. Sem material gringo para traduzir, as editoras começaram a contratar quadrinistas brasileiros para atender a demanda que continuava a crescer. Se no princípio os quadrinhos de terror feitos no Brasil emulavam sua matriz anglo-saxã, logo eles foram desenvolvendo características tipicamente tupiniquins, como o uso de lendas populares e picantes pitadas de erotismo. Nascia então a HQ brasileira de terror, única, ímpar em relação às suas congêneres mundo afora.

Durante mais de três décadas, os leitores refestelaram-se com banhos de sangue, cangaceiros amaldiçoados, lobisomens de vilarejo, macumbeiros barra pesada e vampiras seminuas. Na criação, uma horda de gênios: Flavio Colin, Jayme Cortez, Nico Rosso, Lyrio Aragão, Julio Shimamoto... Mestres da narrativa quadrinística, dotados de traços transbordantes de originalidade e brasilidade. Não deixa de ser melancólico perceber que hoje, grande parte do público leitor de HQs praticamente desconhece os heróis deste gênero, um dia tão popular, que teve seus estertores no final dos anos 1980. As sucessivas crises econômicas e a estagnação editorial conduziram artistas de primeiríssima grandeza a um indesejável, injusto e constrangedor ostracismo.

A ideia de transformar clássicos das HQs de terror brasileiras em desenhos animados é um sonho antigo. A riqueza de traços e visões, bem como a irrefreável imaginação de nossos autores, oferecem um infinito manancial de possibilidades cinematográficas. A questão de por onde começar foi facilmente solucionada: Julio Shimamoto, o mestre Shima, foi uma escolha natural pela inquietude e diversidade de sua obra. E também por ser um dos poucos quadrinistas ainda vivos da primeira geração do terror brazuca.

Ao longo de uma carreira que já ultrapassa 50 anos, Shima se notabilizou pelo desenho dinâmico e mutante. De tempos em tempos, o samurai dos quadrinhos se reinventa lançando mão de novas e improváveis técnicas criadas por ele mesmo, tais como usar bexigas para distorcer imagens, ou desenhar por meio de raspagens em superfícies cerâmicas previamente pintadas. Se no Brasil existe o dito Cinema de Invenção, o que Julio Shimamoto faz pode e deve ser considerado o legítimo Quadrinho de Invenção.

O Ogro é uma HQ publicada em 1984 na edição 27 da saudosa revista Calafrio. Nela, desenhando com tinta branca sobre cartolina preta, Shima antecipou em uma década o que Frank Miller viria a fazer em Sin City. A atmosfera densa e a abordagem expressionista impostas pela arte de Shimamoto transformaram o roteiro de Antônio Rodrigues – que lidava com clichês de um terror gótico – em uma pequena obra-prima. A escolha da HQ a ser adaptada foi feita pelo próprio Shima, por inaugurar uma nova etapa em seu uso gráfico do claro-escuro.

Desenvolvidos roteiro e storyboard de O Ogro, deu-se início à batalha para a realização do filme. Depois de diversas negativas, o projeto venceu o Primeiro Prêmio Estadual de Cinema e Vídeo de Curta Metragem do Estado de Goiás. Um gigantesco desafio norteou toda a produção de O Ogro: o traço moderno, arrojado e indócil do mestre Julio Shimamoto deveria estar presente em cada frame na tela. Imitar o inimitável não foi tarefa das mais fáceis. Mas residia aí toda a força e sentido da obra.

O Ogro não é um resgate de Julio Shimamoto. Ele não precisa. Aos 72 anos, em plena atividade, Shima está muito acima disso. O Ogro é, de fato, uma homenagem apaixonada a um artista que jamais se acomodou e a um gênero que ele ajudou a fundar. Uma homenagem ao próprio quadrinho brasileiro. Que venham as próximas.