Confira uma entrevista do cineasta e produtor Roger Corman para a imprensa portuguesa


(Dica de Marcello Simão Branco, adaptação de Renato Rosatti)

Entrevista do cineasta Roger Corman, mais conhecido como o “Rei dos Filmes B”, que tornou-se uma lenda do cinema americano por realizar e produzir filmes independentes com pequenos orçamentos - ou mesmo microscópicos - e em pouco tempo. As perguntas são de Eurico de Barros, para o “Diário de Notícias”, de Lisboa (Portugal).

Pergunta: Em 1960, rodou “Little Shop of Horrors” (N.E.: no Brasil, “A Pequena Loja dos Horrores”, com Jack Nicholson) em dois dias e uma noite. É o seu recorde absoluto?

Resposta: Sim. O Robert Towne, argumentista oscarizado e meu amigo, disse-me no final dessa rodagem: “Roger, você tem que se lembrar que fazer filmes não é como correr os 100 metros. Não tem nada a ver com velocidade.”

P.: E qual foi o filme mais barato que já fez?

R.: Deve ter sido o primeiro, “Monster From the Ocean Floor”, em 1954. Custou cerca de 30 mil dólares, o que, tendo em conta a inflação, seriam hoje 100 mil dólares [74 mil euros].

P.: Era difícil filmar nessas condições?

R.: Era divertido. E muito tenso. Estava tensíssimo no meu primeiro dia como diretor. No segundo, a tensão tinha desaparecido. E passou a ser quase sempre muito divertido.

P.: Disse numa entrevista que era capaz de fazer um filme sobre a queda do Império Romano com dois atores e um arbusto...

R.: Corrijo: dois atores e fogo. Põe-se o fogo num recipiente e filmam-se os dois atores vestidos de romanos através das chamas, falando da queda de Roma e do incêndio! (risos)

P.: É verdade que todos os filmes que fez deram lucro, e que apenas “The Intruder” perdeu dinheiro? Ou é lenda?

R.: Foi verdade durante algum tempo, mas depois deixou de ser, porque perdi dinheiro com alguns. “The Intruder” foi o primeiro, mas quando o lancei em DVD com um comentário do William Shatner (N.E.: o Capitão Kirk de “Jornada nas Estrelas”) e meu, finalmente consegui que o filme desse lucro, uns 40 anos depois de ter sido feito!

P.: Quando estreou no cinema, alguma vez pensou que ia fazer carreira e ficar famoso na indústria por causa dos filmes de baixo orçamento, ou ambicionava ser um diretor de topo?

R.: Eu não ambicionava nada. Comecei como mensageiro na “20th Century Fox”, após formar-me em Engenharia na Universidade de Stanford e um dia vendi um argumento que tinha escrito. Peguei no dinheiro que me pagaram por ele e fiz o meu primeiro filme. Depois de ter produzido dois filmes, comecei a dirigir. Não tinha planos a longo prazo, só queria começar. E os filmes começaram a ter sucesso com várias distribuidoras de pequeno orçamento, que continuaram a pedir-me mais filmes. E continuei a fazê-los. Também realizei alguns filmes para estúdios grandes. Correram bem, mas perdia um ano a prepará-los e não tinha controle total sobre eles. Preferi fazê-los fora deste sistema.

P.: Provou que era possível que um filme barato e feito depressa desse lucro, tivesse alguma qualidade, agradasse à crítica e atraísse um público mais exigente. Foi um pioneiro.

R.: Sim, é verdade, embora as minha primeiras boas críticas tivessem vindo de França e Inglaterra , graças a “Fúria Assassina”, em 1958. Só aí os críticos americanos começaram a reparar em mim. Mas descobri também que, se tivesse um orçamento baixo, podia dar-me ao luxo de fazer coisas que estavam vedadas aos outros e tratar temas mais ousados, como fiz em “Wild Angels”, o primeiro filme sobre os “Hell's Angels” e que foi ao “Festival de Veneza”, ou “Os Hippies”, sobre drogas, que foi a “Cannes”. Se estivesse a trabalhar para um grande estúdio, provavelmente não teria podido fazê-lo. Os filmes eram muito caros e eles não podiam correr riscos destes.

P.: Dedicou-se aos filmes do gênero terror, ficção científica, policiais. Gosta mesmo deste tipo de cinema?

R.: Gosto. São formatos estabelecidos da cultura popular, e por outro lado permitem-nos acrescentar algo de novo. Por exemplo, o “Machine Gun” Kelly era um covarde. Baseei “Fúria Assassina” nisso. Transformei o meu protagonista, o gangster número 1 dos EUA, num covarde!

P.: Revelou diretores como Coppola, Scorsese, Peter Bogdanovich, James Cameron e Joe Dante, entre outros, que começaram a trabalhar com você. Como é que os “descobriu”?

R.: O Francis foi na Escola de Cinema da Universidade de Los Angeles. Precisava de um montador, fui falar com finalistas do curso de cinema e ele pareceu-me o mais inteligente. O Peter Bogdanovich foi contratado para fazer “Targets” (N.E.: no Brasil, “Na Mira da Morte”, de 1968 e com Boris Karloff) porque filmava depressa. O Scorsese não tinha sido meu assistente, mas era muito bom. E recomendou-me várias pessoas da Escola de Cinema da Universidade de Nova Iorque, como o Jonathan Kaplan, o Joe Dante, o Allan Arkush e o Jonathan Demme, que foram todos meus assistentes de direção. O Ron Howard trabalhou primeiro para mim como ator e depois como diretor. E escolhi o James Cameron porque vi que ele era muito bom nos efeitos especiais.

P.: O cinema americano vive cada vez mais de continuações. Mas você, mesmo estando no negócio dos filmes baratos e rápidos, nunca fez nenhuma. Porquê?

R.: Fiz só um remake de “Piranha”. Nesse tempo, quando um filme era um sucesso, não se fazia uma parte II, rodava-se um filme parecido com um título diferente. Quando produzi “A Corrida da Morte do Ano 2000”, que teve um sucesso enorme, fiz logo outro filme igual com o David Carradine, mas chamei-lhe “Corrida Mortal”.

P.: Continua a produzir filmes. Não quer aposentar-se?

R.: Não, só abrandar o ritmo. Agora vou para a Bulgária supervisionar “Cyclops”, um filme de monstros da mitologia grega.

P. : Não dirige desde “Frankenstein Unbound”, de 1990 (N.E.: no Brasil, “Frankenstein, O Monstro das Trevas”, com John Hurt, Raul Julia e Bridget Fonda). Não pensa voltar a filmar?

R.: Não, os anos já pesam e é muito cansativo. Há um diretor português que tem quase 100 anos e ainda filma, como é que ele se chama?

P.: Manoel de Oliveira.